Empresas não conseguem cancelar os contratos com 'trava bancária'
VALOR ECONÔMICO - LEGISLAÇÃO & TRIBUTOS
As empresas em recuperação judicial não têm conseguido na Justiça desfazer a operação que o mercado batizou de "trava bancária". Pela discussão, as companhias tentam incluir o pagamento dos empréstimos tomados das instituições financeiras - classificados como cessão fiduciária de direitos creditórios - nos planos de recuperação. Em uma pesquisa realizada a pedido do Ministério da Justiça pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) por meio qual avalia-se a nova Lei de Falência - Lei nº 11.101, de 2005 -, os pesquisadores levantaram o tema nos 27 Tribunais de Justiça do país, e viram que há 90 processos sobre a questão nas Cortes, tendo como parte 37 diferentes instituições financeiras . Do total de julgamentos, os tribunais foram favoráveis aos bancos em 53 casos, excluindo-os da recuperação judicial. Em apenas 13 decisões, os magistrados liberaram as empresas da trava bancária.
A maioria das decisões - 80% do total - foram proferidas pelos tribunais do Sudeste do país. O foco da discussão na Justiça está nos empréstimos concedidos e classificados como "cessão fiduciária de direitos creditórios" e cuja garantia são os recebíveis futuros das empresas, como os valores a serem recebidos de contratos de fornecimento ou de vendas com cartões de crédito. Além dos recebíveis, as operações preveem que o depósito destes seja efetuado na conta bancária da empresa, desde que na instituição em que tomou o empréstimo. O desconto é efetuado diretamente pelo banco, sem a chance de a empresa pegar o dinheiro e tornar-se inadimplente.
Ao recorrerem à Justiça, movimento que começou em 2006, as empresas pedem que o pagamento dos empréstimos entre no plano de recuperação e que os bancos recebam como os demais credores. Também querem o direito a ter de volta os valores dos recebíveis, necessários para o capital de giro das companhias. Nos processos, os bancos alegam que esses contratos, por terem natureza de alienação fiduciária, estariam fora da recuperação, conforme previsto no artigo 49 da nova Lei de Falências. O dispositivo, no parágrafo 3º, estabelece que contrato de alienação fiduciária de bem móvel ou imóvel não se sujeita à recuperação. Esse foi o principal argumento aceito pelos tribunais para manterem as instituições financeiras fora do plano de recuperação judicial.
Já nas decisões que atenderam os pedidos das empresas, os desembargadores entenderam que não estavam presentes todos os requisitos para a caracterização da alienação fiduciária de créditos. Outro argumento aceito foi o de que a alienação fiduciária deve ser registrada antes da distribuição do pedido de recuperação. Em alguns casos, os desembargadores consideraram que a instituição bancária não poderia impedir a empresa em recuperação de exercer o direito de administrar os rendimentos oriundos de duplicatas e CDB ' s vencidos dados como garantia de empréstimos, pois esses seriam indispensáveis à estratégia de recuperação econômico-financeira da empresa.
O advogado especializado em recuperações judiciais, Júlio Mandel, do Mandel Advocacia, avalia que a operação de trava bancária leva as empresas em recuperação judicial à quebra. Segundo ele, da forma como essas operações são fechadas, todo o resultado da produção da companhia vai para o pagamento da instituição bancária. Por esse motivo, afirma, a empresa deixa de ter capital de giro e não consegue mais financiar a própria produção. "É um desequilíbrio muito grande", afirma Mandel. Por esse motivo, o advogado entende que o pedido de recuperação na Justiça deveria ser a data de corte. Ou seja, a partir do pedido, tudo o que a empresa recebesse iria para o seu caixa e o restante do que o banco tivesse a receber entraria no que o plano de recuperação judicial estabelecesse. "Iria para o banco apenas aquilo que já tivesse sido faturado", diz o advogado.
Quanto à argumentação sobre o artigo 49, parágrafo 3º da Lei de Recuperação, Mandel entende que a norma incluiria apenas a alienação fiduciária de máquinas. A advogada também especializada em recuperação judicial, Laura Bumachar, sócia do Tauil & Chequer Advogados Associados entende, porém, que a leitura literal da norma permite a inclusão da cessão fiduciária de direitos creditórios. Apesar disso, ela afirma que o legislador jamais imaginaria que a questão teria essa interpretação. Segundo ela, a manter-se esse entendimento, mais uma vez os bancos estariam fora da recuperação judicial, procedimento que passaria a atender apenas os credores quirografários (fornecedores) - o que iria contra a intenção da lei. Para Laura, o melhor é que a discussão fosse julgada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) para que a questão fosse pacificada. "Isso gera muita insegurança jurídica", afirma.
Nova lei contribuiu para a queda no número de pedidos de falência
O número atual de pedidos de falências no Brasil, assim como as decretações efetivamente ocorridas, não se compara ao registrado na década de 90 e início dos anos 2000. Na década de 90, por exemplo, a média de pedidos de falência estava na casa dos 30 mil anuais e as decretações em torno de seis mil por ano, conforme dados da Serasa Experian. De 2000 a 2004, a média de pedidos anuais caiu para cerca de 11 mil e de 200 decretações por mês. A partir da nova Lei de Falências - que completou cinco anos em junho -, porém, os números de pedidos de falências caíram progressivamente, alcançando em 2009 uma média mensal de 197 pedidos. A explicação para a queda - guardados os problemas e realidade econômica de cada década - é a estipulação pela nova legislação de um valor de pelo menos 40 salários mínimos (R$ 20,4 mil) para que o credor possa pedir a falência da companhia devedora.
A queda no número de pedidos de falências decretadas também foi aferida pela pesquisa "Avaliação da nova Lei de Falências", realizada pela Fundação Getúlio Vargas (FGV-Rio) dentro do projeto "Pensar o Direito", do Ministério da Justiça. Pelo estudo, concluiu-se que houve uma queda de aproximadamente 54% do número de pedidos de falência por mês, e uma redução de 33% sobre o volume de decretações de falência por mês, em comparação com os números referentes ao período anterior à entrada em vigor da lei. O coordenador da pesquisa, o economista e professor da FGV Aloísio Pessoa de Araújo, afirma que a queda já era esperada por a lei ter criado um instrumento para dificultar o uso da falência como mero meio de cobrança. Pela norma anterior, o credor poderia pedir a falência por qualquer valor e a companhia tinha 24 horas para quitá-lo sob o risco da quebra. Hoje há o valor mínimo e o prazo para o pagamento é de dez dias.
Passado esse prazo, a empresa ainda tem a opção de pedir a recuperação judicial, o que também não existia na norma anterior que tratava da falência, o Decreto-Lei nº 7.661, de 1945. Além disso, o professor explica que a nova lei permitiu que outros tipos de negociação sejam realizados, além da recuperação judicial. Antes, a chamada concordata branca - quando o devedor chamada um ou mais credores para negociar - era vedada, sob o risco de uma decretação de falência.
Outra conclusão da pesquisa é de que houve, ainda que pequena, uma redução no tempo para a finalização dos processos falimentares. A média de queda no pais foi de seis meses, conforme Araújo. Segundo ele, o período de avaliação da pesquisa ainda é pequeno, mas há uma tendência de queda futura. Um pontos da lei que colaboraria para isso, seria a possibilidade de venda dos ativos da massa falida, antes da formação do quadro de credores - processo que pode demorar anos.
Zínia Baeta, de São Paulo
Dr. Luiz Arnaldo de Oliveira Lucato
Vice-Presidente
Nenhum comentário:
Postar um comentário